
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Tereza Costa Rêgo , Clara Moreira
Data
29/11/19 25/01/20
Artistas
Tereza Costa Rêgo , Clara Moreira
Curadoria
Bruno Albertim
Da perda, pessoal e incontornável, veio, contraditória e inesperada, a libertação. Após a morte súbita da mãe, começo dos anos 1980, uma jovem Tereza Costa Rêgo pinta a primeira habitante da população de mulheres despidas que passariam a morar suas telas. Não desconfiava a artista: ao despir sua personagem inicial, Tereza desnudava a si própria e a mulheres encarceradas em vestes de gerações que a antecederam ou lhe sucedem. A nudez, em Tereza, nunca será gesto individual.
Filha de uma família já decadente da aristocracia sacarina pernambucana, bisneta do conde que empresta o nome à principal avenida do centro do Recife, conheceu de muito perto a musculatura do patriarcado. Como tantas meninas-senhoras, aprendeu piano e pintura. Criada, como gosta de dizer, para decorar o grande instrumento decauda na sala. Quebrou tantas vezes o piano para irromper pela janela. Tereza, ciente de si, proclama: é o voo, jamais o ninho.
Ao lado de jovens colegas como Brennand ou Reynaldo, na Escola de Belas Artes do Recife via a arte daprimeira metade do século 20 perder dogmas academizantes para se fazer moderna–no País e em seus próprioscavaletes. Ia dando acento feminino ao Modernismo Pernambucano: das lições de mestres como Vicente do Rêgo Monteiro ou Lula Cardoso Ayres, imprimia a subjetividade coletiva e sufocante de meninas-mulheres como ela.Ainda em 1949, Menina e ex-votos foi premiado num dos primeiros Salões de Arte do Recife: na composição, uma jovem na penumbra, olhar ternamente obscuro, parece esconder-se do (ou no) peso do patriarcado que lhe talha a carne. O guarda-chuva, tema recorrente, passaria tanto a proteger como a dividir a subjetividade de suas personagens ávidas por irromper os limites das tela
Ao expor, não sem retaliações, a vagina inicial, Tereza fez de sua pintura uma pintura pela afirmação da mulher num século de negações. Estava ali a mulher assumindo agência e regência de um corpo historicamente castrado. A nudez corajosamente coletiva. Hormonal, porque vermelha. Social, porque convocatória. Ainda quecobertas de tecido, as mulheres de Tereza jamais deixariam de estar despidas.
Agora, a nudez de suas mulheres irrompe em diálogo com as mulheres desnudas de Juliana Lapa e ClaraMoreira. Duas das jovens artistas pernambucanas de maior densidade narrativa, Juliana e Clara também desenhamcom seus músculos tensionados entre a subjetividade o objetivo do mundo nem sempre melhor rabiscado ao redor. Neste encontro arriscado, inevitavelmente impreciso, Juliana vai construindo, perícia e escrutínio, coragem e cuidados,a mítica além dos arquétipos. Suas personagens trazem tanto mitos fundantes, a fecundidade inadiável de florestas-fêmeas, como a iminência do gesto capaz de concretizar o agora. Mulheres em gestação de si. Narrativa como a Tereza das grandes séries históricas, Clara Moreira transita entre o planejado e o inesperado. Dança entre o previsível e o devir. Suas mulheres-pássaras estão prenhes do gesto no momento preciso em que o movimento começa a surgir.
O encontro das mais jovens com a artista sem a qual uma arte corajosamente fêmea não teria sidoplenamente possível desfaz alguns mitos. Um deles, o de que pintura é silêncio. As narrativas de Tereza, Juliana e Clara trazem personagens na iminência do voo.
Na gestação do grito.Elas sempre estiveram lá. Percebem o mundo antes que o universo se erga no cio dos gatos.
Texto: Bruno Albertim