Raul Córdula 

Espaço Tempo

Saiba mais
  • Data

    25/04/23 20/06/23

  • Artista

    Raul Córdula 

  • Curadoria

    Apresentação: Joana D'arc Lima

Apresentar essa exposição intitulada, Espaço–Tempo, é uma honra e simultaneamente um grande desafio. Não se trata de uma mostra para entrar no currículo profissional do artista – esse tempo já passou -, longe disso, trata-se de uma comemoração de seus oitenta anos de vida, algo extraordinário. O desejo do artista é que venha a ser, por um lado, uma exposição que transmita fragmentos de sua convivência com o metier artístico, no seu caso com a  pintura e por outro lado, uma mostra que possa adquirir um estatuto de testemunho de tantas idas e vindas, “da luta diária de um cidadão e o trabalho solitário do ateliê passando pelas solicitações humanas, solidárias e políticas que sempre me moveram”(R. Córdula, 2023).

O título tem uma poética visual e conceitual latente, ora aponta, no horizonte maior de sua abrangência, para a matéria primordial da história: a passagem do tempo, a duração de uma vida, das horas, dos instantes, que geram permanências, mudanças, marcas, cicatrizes, vestígios que se escondem, se revelam e se perpetuam, a um só tempo, nas demasiadas paisagens espaciais – do corpo à terra. Tempo, tempo, tempo, tempo, clamou o poeta, regido pelas marcações dos tambores, “és um senhor tão bonito como a cara do teu filho, tempo, tempo, tempo, tempo, vou lhe fazer um pedido, tempo…” (C. Veloso). 

Ora, aponta também, para o conjunto da poética visual produzida pelo artista Raul Córdula, ao longo de um tempo disperso de sua existência, que conta com aproximadamente mais de sessenta anos de trajetória artística. O exercício experimental de liberdade, pelo qual percorre Raul Córdula – nordestino do Brasil e alhures -, passa pela transfiguração de um real concreto para a representação simbólica e cromática. Ao tomar a linguagem geométrica – o triângulo, o quadrado e o retângulo -, como símbolos para a criação de suas imagens reais, ficcionais, mitológicas e imaginadas, apreendidas fenomenologicamente por seu corpo todo, sempre como se vivesse essa experiência da criação pela primeira vez, o artista cria um inventário visual e sua gramática. 

Portanto, na repetição do gesto de criação também incorpora a imprevisibilidade, o desconhecido, o acaso e a improvisação – seja na manufatura pictórica, no desenho, na gravura, nos objetos, o artista compõe uma partitura jazzística. Uma procura de caminhos incessante que gera inúmeras composições formais e cromáticas que, segundo o artista, “são o arcabouço de minha pintura”. Raul Córdula estabelece um diálogo entre o tempo e o espaço: “o tempo como a dimensão em que nossa vida se desenrola, o espaço como o suporte deste, ou destes, tempos” (R. Córdula, 2023).

Raul Córdula é oásis, ventania, furacão. É síntese. Geometriza a paisagem para humanizá-la. É fogo. É utopia. Representante de uma das vertentes da arte brasileira, o construtivismo abstrato, que desde o final dos anos 1950 se consolidou, naquele momento, como renovação frente ao figurativismo, sem deixar de figurar e de fabular narrativas, vale ressaltar. Com efeito, o artista foi muitas vezes preterido diante de narrativas conservadores e preconceituosas do meio, que valorizava uma única representação visual, cujos valores se davam pelo uso da cor, de símbolos retóricos de regionalismo e da luz local. Raul Córdula não foi o único a caminhar pelas veredas da abstração geométrica, claro, entre nós temos expoentes importantíssimos (as). Essa vertente da produção artística, à partir do nordeste brasileiro, ainda pouco estudada entre nós, fator esse que corrobora com o esquecimento e apagamento de muitas trajetórias. 

Essa exposição realizada à convite da Amparo 60 Galeria de Arte nos ajuda a reconectarmos com essa história. A Amparo 60, ao convidar Raul Córdula para a realização dessa exposição, abre a programação de comemoração de duas efemérides em 2023, seus vinte e cinco anos de atuação e os oitenta anos do artista, reafirma à contrapelo, seu compromisso com a uma narrativa histórica de resistência e de insistência na valoração e no respeito aos (as) artistas e à história que Raul Córdula representa. 

Viva! Noite de festa na Amparo 60, festa para celebrarmos os oitenta anos de Raul Córdula, artista de esquerda, sempre gauche na vida. Da utopia revolucionária. Das paisagens geométricas, dos mitos e dos ritos. Córdula não rendeu-se às tendencias hegemônicas do mercado das artes e suas capturas. Não serviu a dois deuses, frente à violência das elites, escolheu sempre estar ao lado dos pobres. Preferiu e prefere as barricadas, a luta coletiva, os coletivos artísticos e a dança da geometria. 

Raul Córdula envolveu-se durante toda sua existência no campo das artes com diversos fazeres, portanto, impactou as disposições dos (as) agentes do campo artístico: escreveu uma fartura de textos críticos, foi professor, gestor, curador, ativador da cena cultural e artística, muitas vezes guerrilheiro, produzindo ações e contaminações entre mundos. Mas, como diria escritor Guimarães Rosas, “O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não”. Se lançar na misteriosa aventura de viver é mergulhar nas incertezas. Voltando ao Rosas, “A vida… o que ela quer da gente é coragem”. Viva Raulzito!

Texto: Joana D’Arc Lima.

Imagens

Conheça também

Ver todas

Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos

13 artistas

23/05/25 13/06/25

Explore

Tocar o céu com as mãos

12 artistas

20/02/25 30/04/25

Explore