
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Alice Vinagre
Data
18/11/21 28/12/21
Artista
Alice Vinagre
Curadoria
Texto crítico de Adolfo Montejo
Longe de qualquer contemplação passiva, protocolar, burguesa do olhar, a pintura de Alice Vinagre vive de seu próprio interrogante, como linguagem e como análise do real. Duas inquietações paralelas, convergentes – tão ascéticas quanto sensuais – que exigem uma ativação perceptiva, outro estado visual para quem se aproxime. Há uma operação a ser feita, cada vez mais até do que antes, pois agora as suas imagens vivem ainda uma complexidade maior, dinamizando as dimensões anteriores – e até reformulando imageticamente seu histórico – , talvez mais consciente que nunca do que significa pintar no século XXI, ou seja, vislumbrar situações de um imaginário que se escapa da planaridade exposta, mas que está aí, latejante, visível, invisível, além do chassis.
E nossa parte está aí, nesse diapasão, limiar, na dança/contradança à vista de figuração/cores/campos/signos/estratégias. E também em certo jogo de distâncias, o longe, o perto, o abissal, o próximo, que esta obra sabe desenhar ao nosso encontro. A sua razão artística está nisso: nessa construção, que pede depois sua reconstrução, um exercício a mais. Há, portanto, uma encarnação – se fazer carne –, no sentido de como a artista dispõe todos seus elementos a se comportar, como fenomenologia estética na própria pele/corpo/superfície/âmbito da pintura. Há uma necessidade evidente de construir/reconstruir a imagem, seu devir, nunca estacionado. Ao contrário da incorporação, que só pede unidade, corpo unívoco, reprodução, mimese, como toda iconocrácia demanda. No entremundo das entreimagens, a metade de caminho entre o sonho e as coisas, a pintura de Alice Vinagre compartilha um lado onírico e outro telúrico, e mexe sempre com os elementos, aqueles outros que a astrofísica diz vir das estrelas, e que aqui se redimensionam de forma diferente em suas telas: água, fogo, ar, terra.
A presença deles gravita indistintamente em sua obra de décadas, dispersa ou concentradamente, outorgando uma reciprocidade e uma religação de ordem cosmológica, de antropo-cosmos. Aliás, parte de seu mistério sempre residiu no magma em que suas figuras mergulham, habitam (algo que acontece em certa pintura neoexpressionista alemã, caso de A. R. Penck) e na leveza quase pop concomitante e paradoxal de sua configuração e presença. Porque não se pode esquecer que ainda somos “filhos do céu” segundo Edgar Morin – ou ciganos do universo, como apontava Jacques Monod. A oportuna série de mandalas celestes trazidas aqui se chama Anotações sobre o céu (2003), cifra uma correspondência. E nesta mesma sintonia, sempre de senha espiritual, a pintora leva sua iconografia emblemática agora até novos limites, configurando recentemente grandes pinturas – cinema ou painéis com frames pandêmicos que explicitam que o mundo pode nascer em Recife de novo ou que o caos político faz parte de nosso acaso, de sua língua de fogo; também arquitetando telas de telas, fragmentos com unidades visuais inteiras para chegar a polípticos, uma partitura pictórica maior, onde as partes são tocadas como instrumentos, em atenção às afinidades, ressonâncias, ecos, disparidades. E atenção a esta música de câmara que alterna comunhão e dissonância, em uma colagem contemporânea inusitada que desatomiza mais sua obra.
Porém houvessem telas de finais dos anos 80 trabalhando já a organização simultânea de motivos (ode a uma xícara de café, com os pés dentro do tempo), esse universo de montagem que acasala o contraditório dentro de um próprio quadro, quebra as ordens, as escalas… (a crise dos anos 20 do século passado parece recriar-se nestes anos). Assim, com uma junção inédita de imagens em sua trajetória, a presente mostra tem algo de sortilégio: fala de um background artístico, biográfico, imagético móvel, aberto, criando mais trilhas possíveis, tanto trajetos quanto passagens, veredas, à imagem e semelhança de nossos destinos em tensão diversa, vasta. Andando sobre o dragão (2006), um vídeo da artista caminhando sobre uma superfície, um oculto labirinto de livros cobertos, e o mar do vestido produzindo ondas a cada passo, aponta para o desafio de toda andadura, seu continuum (mas também, quem negaria que não serve para certa classe que ainda não identificou o animal da fábula?). A natureza simbólica da pintura de Alice Vinagre sempre foi manifesta, fala geologicamente das prisões físicas/mentais/emocionais (subscrito numa tela também alegórica), ela se enuncia por camadas, substratos, assim como se evidencia em sua a conquistada lição de laços.
Aliás, parte de seu mistério sempre residiu no magma em que suas figuras mergulham, habitam (algo que acontece em certa pintura neoexpressionista alemã, caso de A. R. Penck) e na leveza quase pop concomitante e paradoxal de sua configuração e presença. Porque não se pode esquecer que ainda somos “filhos do céu” segundo Edgar Morin – ou ciganos do universo, como apontava Jacques Monod. A oportuna série de mandalas celestes trazidas aqui se chama Anotações sobre o céu (2003), cifra uma correspondência. E nesta mesma sintonia, sempre de senha espiritual, a pintora leva sua iconografia emblemática agora até novos limites, configurando recentemente grandes pinturas – cinema ou painéis com frames pandêmicos que explicitam que o mundo pode nascer em Recife de novo ou que o caos político faz parte de nosso acaso, de sua língua de fogo; também arquitetando telas de telas, fragmentos com unidades visuais inteiras para chegar a polípticos, uma partitura pictórica maior, onde as partes são tocadas como instrumentos, em atenção às afinidades, ressonâncias, ecos, disparidades.
E atenção a esta música de câmara que alterna comunhão e dissonância, em uma colagem contemporânea inusitada que desatomiza mais sua obra. Porém houvessem telas de finais dos anos 80 trabalhando já a organização simultânea de motivos (ode a uma xícara de café, com os pés dentro do tempo), esse universo de montagem que acasala o contraditório dentro de um próprio quadro, quebra as ordens, as escalas… (a crise dos anos 20 do século passado parece recriar-se nestes anos). Assim, com uma junção inédita de imagens em sua trajetória, a presente mostra tem algo de sortilégio: fala de um background artístico, biográfico, imagético móvel, aberto, criando mais trilhas possíveis, tanto trajetos quanto passagens, veredas, à imagem e semelhança de nossos destinos em tensão diversa, vasta. Andando sobre o dragão (2006), um vídeo da artista caminhando sobre uma superfície, um oculto labirinto de livros cobertos, e o mar do vestido produzindo ondas a cada passo, aponta para o desafio de toda andadura, seu continuum (mas também, quem negaria que não serve para certa classe que ainda não identificou o animal da fábula?). A natureza simbólica da pintura de Alice Vinagre sempre foi manifesta, fala geologicamente das prisões físicas/mentais/emocionais (subscrito numa tela também alegórica), ela se enuncia por camadas, substratos, assim como se evidencia em sua a conquistada lição de laços.
Texto: Adolfo Montejo