
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Luciano Pinheiro
Data
21/10/04 21/11/04
Artista
Luciano Pinheiro
Curadoria
Cristiana Tejo
To be continued… Continua…
“Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A do relógio, sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das emoções, sei também que é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada: neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro.”
Fernando Pessoa
Ocasões não faltaram para que uma retrospectiva fosse montada. Sempre que uma data redonda está próxima, a especulação é inevitável: sua próxima exposição é uma retrospectiva? Nos dez, vinte e trinta primeiros anos de carreira, ocorreram comemorações, mas Luciano Pinheiro sempre se negou a reunir obras que sugerissem um panorama de seu percurso artístico. Se este caminho ainda está sendo trilhado, por que parar para olhar para trás? Há muito chão pela frente e, quando a trajetória está em aberto, quase tudo pode ser recontado, refeito, revivido, retocado.
Esse estado de espírito de inquietação e de renovação nutre Pinheiro a reafirmar continuamente que seu tempo não passou. É o agora, o presente, o futuro, o passado, tudo ao mesmo tempo, é vida. O mundo que se transforma atinge suas indagações, estremece suas certezas, o obriga a repensar seu posicionamento, afinal o artista e o homem estão vivos, produzindo, incessantemente se reinventando. Nesses quarenta anos, foram muitas as rotas tomadas, mas sempre norteadas pelo desejo da manutenção da capacidade de trafegar num terreno de regras passíveis de reformulação. Essa liberdade de encarar seu percurso como um eterno work in progress foi uma conquista do artista.
Figuração do Invisível é, portanto, uma exposição que saúda mais uma etapa da carreira de Luciano Pinheiro, às vésperas da quarta década de profissão, quando ele trabalha com algumas premissas novas para seu fazer artístico. Todas as peças mostradas nesta individual são células autônomas que, mesmo exibidas individualmente ou como díptico, tríptico ou políptico, podem ser articuladas com outros trabalhos, formando novos grupos, podendo ser fruídas e interpretadas de diversas maneiras. A disposição das obras no espaço da a galeria também passa por essa lógica. Apesar de aparentarem uma sequência, Luciano as distribui de forma provisória, podendo suas posições serem intercambiadas a qualquer momento. A instabilidade de significado e de lugar como princípio norteador de todo o processo talvez constitua uma mecânica de conexão sem precedentes na trajetória deste artista, abrindo ainda mais os campos de possibilidades de sua obra. Esse âmbito rearticulável de sentido é uma resposta convincente à fluidez e à fragmentação que ganham cada vez mais espaço no contemporâneo.
A intenção de “figurativizar” e empreender narrativas por meio da nomeação mostra-se recorrente em seu percurso, à exceção de sua última grande exposição, Zona de Silêncio, ocasião em que o artista desejava se eximir de falar e não deu títulos a seus trabalhos. De qualquer forma, a obra de Luciano Pinheiro carrega, desde seu início, uma forte carga narrativa. Ele é um contador de histórias. Transita com suas aquarelas, suas pinturas, seus desenhos e suas gravuras pela ficção ou por uma vertente interpretativa do mundo, tendo como ferramentas expressivas os traços e as cores. Nesse conjunto de trabalhos recentes, mais do que nunca, encontra-se uma narrativa descarrilhada, que pode ser recontada, refeita, fundindo temporalidades e espacialidades. A história em que não está muito firmado qual o lugar do princípio, do meio ou do fim. Ou melhor, tudo é princípio, meio e fim. Retornamos ao próprio sentido ético de seu labor.
Olhando através da perspectiva deste artista, observamos um alinhavo entre questões universais e regionais. A explosão que iniciou tudo, as guerras atuais, a metáfora que identifica sua terra, os elementos da natureza, palavras que se tornam constantes desde o surgimento da cibercultura, conexões, enfim…
Esse repertório me remete a uma cena que registrei de Luciano antes mesmo de tê-la presenciado fisicamente. Em seu ateliê, postado atrás de sua mesa de trabalho, uma moldura pendurada no teto recorta seu retrato ao lado de um globo terrestre, onde se encontra marcada Olinda, sua cidade por escolha. Sem se perder na trama regionalista, o artista dimensiona seu lugar, coloca-se generosamente numa interface com o mundo, certificando que seu momento é o sempre. Ninguém pode fugir de si mesmo.
Texto de Cristiana Tejo