
Inferno – Cânticos
13 artistas
06/08/25 18/09/25
13 artistas
Data
06/08/25 18/09/25
Artistas
Anti Ribeiro, Clara Moreira, Fernando Augusto , Gilvan Barreto , José Patrício, Marcelo Silveira, Ramsés Marçal, aoruaura, Charles Lessa, Jean, Laura Pascoal, Letícia Lopes, Marcela Dias
Curadoria
Rita Vênus
AMPARO 60 & GARRIDO APRESENTAM
INFERNO – CÂNTICOS
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Na boca do inferno está Minós, demônio de cauda comprida, a examinar nossas faltas. Ele julga e despacha as almas na justa medida entre os crimes e os castigos, contorcendo seu rabo tantas vezes quantos círculos infernais devemos descer.
De mãos dadas, decaímos por esses graus: uma catedral inversa, terrível quanto mais profunda e, por vezes, tão insuportável em visão e atmosfera, que o sono ou desmaio tombam a matéria.
Um trovão nos desperta.
Inferno – Cânticos nasce geminada e reúne, pela primeira vez, um entrelaçamento de artistas das galerias Amparo 60 e Garrido, apresentando um panorama coletivo dos seus acervos. A mostra parte do universo de A Divina Comédia para torcer noções do sagrado e do litúrgico. A referência à obra de Dante Alighieri se dá a partir do encontro com trabalhos que exercitam, aqui, uma imaginação infernal, onde o lugar dos mortos — a necrópole — é enigma para uma matéria em queda e suspensão constantes, e o cântico, a derradeira tentativa de evocar o sublime, longe do caos da desintegração.
Apresentada em dois atos, a exposição dramatiza essa descida como uma travessia incerta, mas inescapável. O barqueiro, desconhecemos.
Cães, entre outras feras, a cor roxa, corpos disformes e amontoados, Jesus Cristo em sua paixão, caveira, vultos, espinheiras, aparição, reúnem-se aqui.
O diabo ele mesmo, o som da flauta, pedras inscritas, versos bicha, conchas, peixes e alumínio, caminhos sem final reúnem-se aqui.
Do campo-santo que nos ampara como um terreno de mediação de mundos, e que também é o mar, escutamos cantos a partir da sua catedral de câmaras labirínticas, onde a repetição ritualística, obsessiva no acabamento de suas formas, como um tecido finíssimo, reelabora os símbolos religiosos numa performatividade dos seus materiais. O litúrgico é posto como essa linguagem da afetação e da recomposição dos ídolos, que tensiona os dispositivos sacros: o altar vira palco, a oração, gozo e grito. Tudo é cerimonial.
As imagens infernais sempre produziram destinações abissais a modos de vida alheios aos anseios divinos para a lógica ocidental-cristã. Aqui, o inferno é mais campo de permanência e reelaboração desses excessos e das falhas, que resiste à norma, à pureza e à contenção, tornando-se uma espécie de superfície de combustão da ordem. O inferno como essa experiência liminar, capaz de expor os restos da matéria à entrega absoluta, numa aproximação do desejo e do mortuário que desestabiliza a vida a partir daquilo que não quer se fixar, como as patas fantasmais de uma fera que oscilam e cintilam incessantemente, que desejam o limbo e desobedecem ao próprio rabo, por mais que ele as tenha encantado.
Acordamos no descampado cemitério
ao pé da grande montanha
onde um outro cão sonha tranquilo
um peixe em salto a romper a linha do mar
esse peixe mergulha na areia escaldante
eis o paraíso.
Rita Vênus