Amanda Melo da Mota , Cristiano Lenhardt

Murucututu

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  • Data

    11/09/24 14/11/24

  • Artistas

    Amanda Melo da Mota , Cristiano Lenhardt

  • Curadoria

    Texto Crítico: Ana Maria Maia

Já fazia tempo que um canto grave e marcado não ressoava no mato da casa de Cristiano em Aldeia, uma das zonas rurais mais próximas do centro do Recife. Por volta de 2020 ou 2021, quando Amanda o visitava, os dois juntos voltaram a escutar o som e, então, descobriram qual a espécie que o entoava. Era o Murucututu, uma coruja que costuma ter a barriga amarela ou alaranjada e habita a Mata Atlântica.

A casa de Cristiano fica em uma espécie de reserva agroflorestal, por ele denominada “Mundo Bicho”. Com uma nascente de água, sistemas de cultivo entre árvores frondosas e plantas rastejantes, a gata Pincho e as cadelas Guará e Cusquinha, além de visitas eventuais de animais selvagens, o artista reside e trabalha rodeado por uma diversidade de seres, a cujos hábitos e mistérios presta redobrada atenção. A presença respeitosa em meio à natureza e a humildade para apreender capacidades de percepção cada vez mais sutis são características que nutrem sua relação de afinidade e amizade com Amanda. Quando o Murucututu cantou naquela noite, os dois entenderam que haviam recebido um sinal. Era o início de um processo criativo compartilhado entre os artistas e as tantas formas de existência que conheciam ou ainda estavam por conhecer.

Essa exposição reúne trabalhos realizados por Amanda e Cristiano, alguns a quatro (ou mais) mãos no Mundo Bicho e outros em diálogo e sintonia, embora já de volta às suas práticas individuais. Nessa empreitada, importa menos tentar traçar uma linha clara de autorias e mais destacar onde essas pesquisas encontram-se e como se potencializam. Nutridos por uma ética afim, os artistas somam suas ferramentas para imantar a terra, ou a “chã”, nela demarcando presenças, ancorando energias e estabelecendo o compromisso primordial de honrar a vida.

Outro traço partilhado é a abertura para lidar com os materiais, dispostos a acolher suas verdades, limites e vontades. Diante da indisciplina das partes, da quebra, do fracasso e da surpresa das técnicas, a criação se refaz sem pudor, mantendo aparentes as cicatrizes do processo. Desta maneira, alguns trabalhos parecem existir não como resultado de algo programado, mas como pretexto para atravessar o desconhecido.

Além do genuíno experimentalismo, há de se destacar ainda o gesto em comum de às vezes reaproveitar materiais de obras anteriores na confecção de obras novas. Mais do que o transitório – que comparece no insumo orgânico ou em linguagens como a performance e a instalação site-specific –, os artistas abraçam o circular. A cada volta daquilo que já foi outra coisa um dia, perduram memórias, partículas visíveis ou invisíveis de lugares por onde passaram e a certeza de que pertencem a algo maior que a prática artística apenas tangencia, como se fosse uma antena, uma lupa ou qualquer outro instrumento projetado para tentar ampliar os sentidos humanos.

Durante toda a preparação dessa mostra, Amanda e Cristiano bordaram sem parar, talvez ainda sigam bordando. Com esta prática, fizeram as figuras e tramas presentes em obras têxteis, mas, sobretudo, estabeleceram um ritmo que se alastra do ateliê até aqui. Cada ponto é uma medida para contar o tempo, uma repetição, uma reza, um mantra, uma chance para perceber. Eles bordaram, portanto, como se estivessem observando e convidando a observar pequenos milagres. Conectaram-se e agora nos conectam para que possamos aprender a decifrar o que nos dizem murucututus, quatis, acauãs, tejus, bacuraus e cotias.

Texto Crítico: Ana Maria Maia

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