Helder Ferrer

O Sertão

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  • Data

    25/04/00

  • Artista

    Helder Ferrer

HÉLDER E O SERTÃO

A meu ver, uma das maiores contribuições que o Barroco deu à Estética foi revelar que a Beleza não se resume ao Belo clássico: que existem grandes obras de arte cuja beleza se afasta muito da harmonia racional e da serenidade apolínea do Belo.

A distinção é fundamental para mim, como sertanejo; porque, se a beleza da Zona da Mata é ligada ao gracioso, a do Sertão se aproxima muito mais de categorias como o fantástico, o terrível e o grandioso.

Foi talvez por causa disso que ele atingiu Euclides da Cunha de modo tão profundo. Foi por isso, também, que o livro deste — refletindo o que o autor vira na terra, nos sertanejos e nos quadros terríveis da campanha de Canudos — se transformou numa espécie de novela épica, áspera, grandiosa e profética.

Tudo isso me veio ao espírito ao olhar as fotografias nas quais Hélder Ferrer captou a beleza fantástica e áspera do Sertão — beleza que impregna até o cotidiano, a festa, as pessoas, o trabalho, o culto e os espetáculos como o Reizado. Lembro-me de que Euclides da Cunha não era muito dado a observar fatos como este — um dia, olhando a multidão maltratada e faminta de Canudos, sua atenção foi presa por uma mulher ferida por um dos prisioneiros, se extasiando pela beleza de sua face ameninada, de linhas clássicas e iluminada por um par de olhos escuros e rasgados. Olhos que deviam ter pertencido à bela mocinha que Hélder Ferrer captou numa das fotos que me passou a fazer parte da exposição.

Por outro lado, diante dos Vaqueiros que ele fotografou, lembrei-me de que alguns críticos viram em Dom Pedro Dinis Quaderna — personagem do meu Romance d’A Pedra do Reino — um misto de Rei e Quengo, de Pícaro e Cavaleiro. Pelo menos foi o que senti ao olhar para um daqueles Vaqueiros anotados por Helder: é como se ali a figura humana lembrasse o Rei e o cavalo — parecido com o “Pedra Lispe” de Quaderna, ou o “Rocinante” de Dom Quixote — evocasse o que, no primeiro, existe de aptidão para as picardias e quengadas de Sancho.

Por isso, ninguém poderá acusar Helder Ferrer de falsificar o Sertão. Quem falsifica são os que tudo fazem para ignorar sua beleza. Beleza que o fotógrafo revela agora pela ótica imparcial e realista da câmara e que, como a de seus colegas que retratam cenas e personagens de Canudos, permanecerá daqui por diante imobilizada em obras de arte — numa alegria ou numa jóia para sempre, para traduzir e parafrasear de modo propositadamente errado o belo verso de Keats.

Ariano Suassuna

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