José Patrício, Delson Uchôa 

Pictória

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  • Data

    08/08/19 13/09/19

  • Artistas

    José Patrício, Delson Uchôa 

  • Curadoria

    Julya Vasconcelos

A ESPESSA CAMADA QUE ENVOLVE OS VOLUMES 

Transbordamento, expansão, esgarçamento, contaminação. Nódoa: aquilo que precipita na superfície contaminada e desenha à revelia os seus próprios contornos. Escapa e permanece, impondo-se no tecido que já parecia delimitado e completo. Esgarça. O que trazemos aqui, nesta exposição, cujo título nos arremessa imediatamente ao encontro de uma determinada ideia de pintura, é na verdade uma armadilha, um convite à reflexão e apreciação do que poderíamos chamar de pulsões básicas da pintura, que vão muito além de marcos canônicos e métodos ortodoxos. É, sobretudo, uma exposição sobre a cor e a ação pictórica livre de amarras, que avança por sobre as fronteiras pré-estabelecidas, desordenando e reordenando a ideia que temos de suporte, objeto, pigmento e, inclusive, do próprio gestual do pintor: como uma nódoa, um transbordamento repleto de contágios. Investigando constantemente as possibilidades de contaminação e expansão de conceitos, as obras de José Patrício e Delson Uchôa encontram-se em um fecundo diálogo a respeito da pintura expandida e seus artefatos, e de novos códigos possíveis.  

A rigor, a ideia de um campo expandido remonta ao artigo da crítica norte-americana Rosalind Krauss, “A escultura no campo ampliado”, publicado ainda em 1979, no qual ela discorre sobre a elasticidade e o colapso do conceito de escultura, que estava se tornando “infinitamente maleável”.  Nele, a pesquisadora abre espaço para que esta reflexão seja, tempos mais tarde, aplicada também a outras expressões, como a literatura, o cinema e, especialmente, a pintura. Quando, então, Yves Klein pinta de azul a Vênus de Milo, ou quando Ignácio Pérez-Jofre perverte o suporte, pintando por sobre escombros, há aí, ainda, dentro de uma compreensão mais elástica, uma ação pictórica clara. Quando Delson Uchôa desmancha sombrinhas chinesas de poliéster e utiliza suas cores em uma obra que se apresenta como um quadro na parede, como em Cirandinha (2015) ou as utiliza na sua pintura-objeto Zigoto Chinês (2015-2019), ou ainda quando transforma a sua pintura acrílica sobre lona (Pericárdio, 2010) em algo que se reparte em camadas nas quais o espectador pode adentrar, o que ele está fazendo é uma subversão da ideia de pintura, utilizando o próprio objeto como fonte de cor ou desmontando a tela/quadro a ponto dela ser não mais unicamente apreciativa, e sim experienciável.  

O mesmo faz, insistentemente, o artista José Patrício. A matéria pictórica de sua obra se faz presente objetualmente, por meio de módulos como dados, botões, dominós, alfinetes, selos, e mais uma infinidade de materiais que dão camadas de cor aos seus trabalhos. Em Sequências cromáticas (2011), há uma explosão de cores vibrantes, lograda a partir da montagem sucessiva, espiralada, de tubos coloridos de hidrocor. Uma mescla, também em espiral, de tons de vermelho e branco, no quadro Afinidades cromáticas XLIII (2019), feito unicamente de tecido sobre madeira e botões pacientemente costurados, um a um. Há, nestes trabalhos, um aspecto muito elementar, que determina que algo possa ser visto como pintura ou dotado de caráter pictórico: essa espécie de pulsão básica, que compreende a pintura como a espessa camada de cor que envolve os volumes. Partindo deste lugar extremamente aberto, é possível enxergar como pintura uma gama quase infinita de trabalhos. No caso de José Patrício e Delson Uchôa há ainda, por trabalharem com técnicas que envolvem artesania e gesto, elementos caros à pintura mais ortodoxa, que envolve a ação do corpo do artista ou de seus assistentes, com suas temperaturas e movimentos, vacilos e avanços.  Na obra de José Patrício, apesar do forte caráter matemático e preciso da sua prática, há esta outra via por onde ele caminha, que se encontra com as imprecisões e acidentes, próprios de uma arte feita com as mãos. Nesse sentido ele se conecta também com algo da tradição da pintura que extrapola o mero uso do pigmento, e aponta para o que é gestual e que evoca a presença do artista. 

Delson e José Patrício, com suas pinturas expandidas, rebeldes e contaminadas pelos pigmentos e objetos do mundo real, investem a materialidade das suas obras em direção à vida e aos corpos, invadindo o espaço com relevos e interferências estranhas ao mundo da pintura. Alcançando, assim, uma expressividade dúbia, carregada de movimentos e reflexões sobre seus próprios contornos, limites e possíveis conexões com o espaço e com a pintura no que ela tem de mais maleável e surpreendente. 

Texto de Julya Vasconcelos 

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