
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Ramonn Vieitez
Data
07/08/14 30/09/14
Artista
Ramonn Vieitez
Curadoria
Adriano Casanova
NESTA exposição do artista recifense Ramonn Vieitez é mostrada uma série de pinturas produzidas ao longo dos últimos dois anos. O título vem de uma apropriação do primeiro verso da canção “Nature Boy”, originalmente produzida nos anos 50 pelo americano Eden Ahbez e logo depois popularizada na voz de Nat King Cole.
Essa música fala sobre uma fantasia de um menino estranhamente encantado que vagava havia muito tempo e que, em um mágico dia, disse: «a melhor coisa que você nunca vai aprender é amar e ser amado em troca». De acordo com Ramonn, essa letra permeia de uma maneira única e pontual a atmosfera da exposição, costura os personagens retratados pelo artista em suas telas com outras histórias e narrativas, ao som de melodias de jazz que são tocadas no ambiente da galeria.
«A música está sempre presente no meu ateliê como estímulo corporal, algo que me dá energia na hora de produzir. Eu acabei conhecendo “Nature Boy” por causa da versão instrumental que tem em “The Talented Mr. Ripley”, e desde então ela tem sido uma referência poética. Ela está sempre presente na minha rotina, não ficando presa só a um momento.»
Nos dias de hoje, o romantismo da música de Ahbez se relaciona com a obra de Ramonn ao também propor um retrato sobre uma fantasia. Pela visão do artista, ela é mais parecida com a ideia de um «jardim secreto»; um imaginário entranhado desse romantismo e capaz de recortar anseios e expressões sobre uma nova geração. A pintura é coberta por uma melancolia advinda de seu entorno: Recife. A cidade em que nasceu vai além de seus fatores históricos e personagens imortalizados na memória da arte brasileira; ela …
«Tem um caso bem particular pelo qual desde criança eu sou encantado. Recife foi uma das cidades que passaram a receber os dirigíveis que vinham da Europa, e a primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul foi construída e ficou conhecida como ‘Torre do Zeppelin’. Há anos está abandonada. Desde criança eu sempre via de longe essa construção, uma torre incrível, de ferro, toda amarela, que se destacava no meio do matagal. Sempre me batia uma curiosidade muito grande de ver aquilo de perto…
Por meio desses contos de Ramonn que deparamos com esses meninos que estiveram ali. São as várias personalidades do artista banhadas por sensações que caminham entre a musicalidade jazzística, a literatura de João Cabral de Melo Neto vista pela perspectiva de uma «costela de adão». Mas Recife não é citada aqui somente porque é fonte desses espaços constantemente repensados pelo artista; é também a capital dos «meninos de Ramonn».
Para um jovem artista, hoje é fundamental muita fantasia para combater o desespero exacerbado de um mercado que impõe rapidez, de uma produção submetida a normas preestabelecidas. Desligada da assombração de uma possível revitalização da pintura, sua obra vai além dessa necessidade multifacetada do artista, que muitas vezes atua como produtor e deixa de lado a virtude do fazer a arte pela janela da imaginação.
É fácil encontrar nas obras presentes na mostra anseios românticos, muito característicos de um jovem pintor, o que compele Ramonn à procura pela fantasia perfeita. Quando seus meninos tomam vida, eles se tornam capazes de marcar um olhar particular sobre a natureza, uma força espiritual carregada de um mistério insolucionável.
O fascínio pelo inusitado, misturado à vontade incontrolável de sentir novos mundos, compõe parte da vida dos personagens pintados pelo artista. As pinturas são sustentadas por um universo imaginário único e especial, uma visão jovem sobre a vida, a natureza e a cidade.
«Sempre gostei muito de jardins e adorava passar horas e horas desenhando e imaginando como eles poderiam ser. Tenho um episódio muito especial de que me lembro bem. No momento em que vi pela primeira vez a planta costela-de-adão eu percebi seu encantado, no sentido de ver uma coisa e focar todas as atenções nela, de ver um objeto da natureza. Lembro que fiquei horas lá desenhando diversas formas e posições (…)»
Foi na faculdade de design e moda que Ramonn não só se reencontrou com seu desenho como também descobriu novos canais de expressão para sua intuição artística. Em 2009, o artista criou um projeto de figurino baseado no livro Morte e Vida Severina. Esse trabalho o fez mergulhar para além da pintura, foi um pontapé inicial para aprofundar suas pesquisas em temáticas para o aprimoramento de seu traço como artista.
«(…) a partir dali eu fui pesquisando, gostando mais e mais, me forçando a desenhar e a conhecer novos materiais. E nessa busca de técnicas e novos materiais eu acabei conhecendo tinta a óleo, e desde então até hoje eu não parei.»
Para todo artista, seu material é uma arma de expressão de sua sensibilidade, e com Ramonn não é diferente. Em seu caso não existe uma justificativa de por que sua obra é uma pintura; ela é sustentada primordialmente pela fantasia e é pintura simplesmente porque é pintura.
Seu objetivo diário tem uma outra importância, a de desbravar seu jardim secreto imaginário. Olhar por meio dos olhares dos personagens das pinturas, muitas vezes envoltos por cruzes ou suspensos em árvores; pinturas nas quais suas cores brilhantes são característica de uma geração que está sempre sedenta por ver a vida de modo diferente e por ver a arte de uma maneira romântica como se ao seu redor houvesse um turbilhão de novas descobertas.
Além de sua relação com a arquitetura e a memória recifenses, Ramonn leva sua fantasia sempre intrínseca a suas vivências pessoais. Em “There Was a Boy”, ele fala de um menino que esteve ali e que passou, levanta questões que vão muito além do autorretrato, visivelmente inseparável de sua obra, mas que caminha para outras facetas, «personas» e lugares que são condensados pela tinta a óleo.
Talvez as contradições em sua obra sejam as mesmas encontradas em sua Recife travestida: o histórico versus o contemporâneo, o antigo versus o novo, o abandono versus as ocupações; fica difícil distanciar sua obra de seu entorno e de sua história de vida.