
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Luiz Hermano
Data
10/08/23 30/09/23
Artista
Luiz Hermano
Curadoria
Walter Arcela
ENTRE O INDEVASSÁVEL E O DISPONÍVEL / Das mesmas
vinte palavras girando em torno de uma poética, nasceu esta exposição
individual de Luiz Hermano, na qual nem mesmo a precisão
sintética de materialidades aqui presentes amortece a magnitude
da confabulação de mundos possíveis, ricos em imaginação e
que abarcam o âmbito alargado da cultura e da sociedade.
Luiz Hermano é um artista da síntese. As obras selecionadas
nesta exposição estruturam-se a partir da seriação geométrica, do
apinhamento e da reiteração de um mesmo elemento, deslizado
da sua função original, mas nunca da sua forma. Os elementos
combinados são entrelaçados por simples arames de cobre e, em
algumas ocasiões, um mesmo fio é o elo do todo da estrutura. Essa
delimitação consciente de materialidades e recursos da feitura nos
rendeu o mote curatorial, a partir do qual friccionamos a poesia do
pernambucano João Cabral de Melo Neto com a poética de Luiz
Hermano, percebendo em ambos a tendência do que o primeiro
escreveu no poema: “Falo somente com o que falo: / com as mesmas
vinte palavras/ girando ao redor do sol.” (1961).
A poesia de João Cabral foi marcada pelo rigor estético que o
fez estruturar versos imbuídos na economia lexical que configura
justamente sua potência. Para ele, um poema se faz somente com
”as mesmas vinte palavras”. Por conseguinte, escrevia recrutando
vocábulos de modo exato, dizia que “Catar feijão se limita com
escrever:/ Jogam-se os grãos na água do alguidar/ E as palavras
na folha de papel/ e depois, joga-se fora o que boiar.”(1965).
Não à toa, J. Cabral é o poeta favorito de Luiz Hermano. Oriundos
do Nordeste brasileiro, eles mobilizam a beleza, resiliente e
improvável, dos vestígios de um arcaísmo presente na realidade de
uma sociedade cuja superação entre o artesanal, com seus procedimentos
de manufatura, e o industrial, com sua lógica automatizante,
não se efetivaram com sucesso.
Inclusive, a falência desse binômio supracitado se desvela
na matriz geométrica das esculturas da exposição: ainda que a
elegância formal da corrente construtivista brasileira possa ser
citada enquanto filiação para Luiz, sua geometria se organiciza
e já não procura, matematicamente, o equilíbrio entre extensões
desiguais. Em depoimento à Cynthia Garcia (2019), ele resume
essa situação enquanto ‘‘Uma visão da formação do universo.
Onde formas orgânicas querem ser geométricas […] e as formas
geométricas dançam organicamente.’’ Neste aspecto, ouso supor
uma diferença entre J. Cabral e Luiz, pois chuto que, se as
obras do primeiro fossem pinturas, seriam monocromáticas e austeramente
construtivistas.
Luiz recusa a ordenação gratuita. Sua peculiar ação geometrizante
vem, antes de tudo, das ‘‘infinitas possibilidades de composição
geométrica que até já existem na natureza’’ (2019). Suas esculturas,
mesmo frágeis, compostas por elementos vulgares como
arames, capacitores, madeira, resinas, são ensejadas por artesanias
amorosas que seduzem o olhar ao proporcionar visualidades
multiplicadas, corridas entre o indevassável e o disponível, criando
um jogo com a espera de um olhar organizativo.
Nos desenhos com café, apresentados aqui, visualizam-se
quase esboços das lógicas geométricas de suas esculturas, ordenadas
e imprevistas, além de guardarem uma alusão à trajetória
do artista, em que seus primeiros momentos, no sítio de Preaoca, no
interior do Ceará, pintava com café na falta de tinta.
Transladados esses aspectos, gostaria de narrar um sonho que
tive com Luiz Hermano onde alegorias sobre sua investigação poética
se manifestaram: estávamos numa estação de metrô e nela
não havia o vão entre o trem e a plataforma, de modo que o trilho
ficava na superfície. Luiz, então, pega uma pequena metragem do
trilho, feito de metal, ergue-a e diz que fará uma obra com ela.
Respondo-lhe, preocupado, que assim o trem poderia descarrilar,
ao que termina o sonho.
Pensando significâncias metafóricas para cada componente
deste sonho, sou levado a compreender o trem enquanto a sociedade
agrupada e condicionada a não parar, e no trilho de metal
(metais são elementos recorrentes em seus trabalhos), como dispositivo
disciplinador que mantém tudo nos eixos. Ao retirar uma
parte, ainda que pequena, mas essencial, dessa engrenagem, o
trem pode descarrilar. Mas não tem problema, pois ao retirar a
funcionalidade de materiais e ressignificá-los, o que as obras de
Luiz me dizem é que, me valendo das palavras de Chico Science,
desorganizando também pode-se organizar.
Texto: Walter Arcela