
Mostra Acervo por Diogo Viana e Cecília Lemos
13 artistas
23/05/25 13/06/25
Gilvan Barreto , José Paulo , José Patrício, Lourival Cuquinha, Paulo Bruscky , Isabela Stampanoni
Data
22/07/18 23/09/18
Artistas
Gilvan Barreto , José Paulo , José Patrício, Lourival Cuquinha, Paulo Bruscky , Isabela Stampanoni
Curadoria
Eder Chiodetto
A voragem que ronda a história da humanidade é dotada de força que ciclicamente tem a capacidade de sucumbir a lógica. A evolução da espécie humana se dá por uma sucessão de sobressaltos, avanços obtidos diante de muito esforço e retrocessos inesperados que atuam como uma força moderadora a nos dizer que será necessário mais e mais empenho para que as injustiças sejam apaziguadas.
Os dez valentes artistas presentes nessa exposição possuem obras que atuam como um grito, um gesto de revolta, de denúncia, um soco na face espúria dos poderes que controlam, violam, torturam, escravizam e dizimam a tudo e a todos que questionam seus interesses notadamente escusos.
Nesse momento em que o mundo em geral, e o Brasil em particular, passa por uma nova e assombrosa onda de intolerância racial, religiosa e comportamental, atitudes ditatoriais, cerceamento da liberdade de expressão, corrupção, desrespeito aos direitos civis, xenofobia e tantas outras mazelas, essa exposição surge como um singelo, mas forte contrapeso a advertir que não estamos calados diante da barbárie. Nossa Voragem se manifesta a partir de uma trincheira, como um movimento de rebeldia e resistência.
A ocultação dos corpos das pessoas que foram torturadas e assassinadas durante a ditadura militar (1964 – 1985), tema da premiada série Postcards from Brazil, de Gilvan Barreto, ecoa nas outras obras presentes nessa exposição em que as parcelas mais desassistidas e marginalizadas da sociedade se fazem presente o tempo todo, mas nunca têm seus corpos como protagonistas, apenas seus vestígios. “Todos desapareceram. Ninguém deixou de existir”, nos diz o trabalho de Ivan Grilo em forma de placas que nomeiam monumentos públicos, sem no entanto haver monumentos para recebê-las.
Desapareceram também as pessoas sob as pontes que na noite anterior improvisaram fogueiras para se aquecer do frio, preparar a comida, acender um entorpecente que traga novas possibilidades de enfrentar a realidade, na série de André Hauck. Ou seriam essas marcas de fuligem a resultante das explosões dos coquetéis Molotov, a arma dos que não tem armas, esculpidas como “Troféus” por José Paulo?
“Proteja-me”, obra de Isabela Stampanoni é a última imagem que o espectador verá ao deixar a galeria. Ao mesmo tempo em que ela ressoa como um pedido de amparo dos índios, dos sem teto, dos desempregados e dos desaparecidos políticos que lotam esse espaço sem se fazerem vistos, ela ironiza pontualmente os condomínios de luxo que prometem uma vida de exclusão, segura e asséptica aos seus moradores, distante da vida real e inóspita que os espreita do lado de fora das altas grades que os protegem, como mostra com boa dose de sarcasmo o vídeo “Desenho Canteiro” de Bárbara Wagner e Benjamin de Búrca.
Na mesma linha de ironia, a obra “Ordem e Progresso” de Lourival Cuquinha, ajuda a expor os paradoxos entre o projeto capitalista com vícios neoliberais em detrimento da tradição e da cultura, ao reunir sete flechas de etnias indígenas que tiveram seus territórios violados para dar lugar a indesejada usina hidrelétrica de Belo Monte, atendendo interesses de mineradoras. As flechas atravessam moedas de 50 centavos de real, que na sua lateral possuem a expressão positivista que dá nome ao trabalho e está presente na bandeira nacional. Aqui por essas plagas, quem dá a ordem é o beneficiário exclusivo do “progresso” anunciado. Nesse jogo perverso de poder, ao “Guarani” cabe apenas obedecer e padecer silenciosamente, como nos mostra Gilvan Barreto no vídeo criado a partir da ópera homônima de Carlos Gomes.
Paulo Bruscky, artista referencial de toda a geração que o acompanha nessa mostra, anuncia: “Brasil – não há vagas”, numa assemblage criada a partir da leitura de uma notícia de jornal de dezembro de 2016, que contabilizava 12.300.000 desempregados no país – atualmente já passam de 14.000.000. Ao mesmo tempo, e não por coincidência, Cuquinha em suas pesquisas no comércio popular se deparou com nove capas coloridas de carteiras profissionais vendidas por camelôs em São Paulo. Sua intervenção gerou a obra “Paleta Inútil, 2017, 2˚ ano do Golpe” que narra com uma estratégia asfixiante a reforma trabalhista aprovada de forma canhestra e sem as devidas discussões com a sociedade. A perda de direitos adquiridos historicamente pelos trabalhadores evaporou-se nas negociatas promovidas por um governo ilegítimo com congressistas denunciados por corrupção e outros crimes.
Os “Problemas Nacionales” que Jonathas Andrade pontua, a partir de uma alegoria com ares burocráticos, são muitos e os tempos recentes parecem tê-los redobrado com retrocessos inimagináveis para quem julgava ter superado as agruras da ditadura militar e entrado num ciclo virtuoso e democrático. A história, seus sobressaltos, suas ironias.
Diante dessa Voragem nos resta resistir, não temer, jamais fraquejar. A arte é a nossa política. A arte nos une e a partir dela ajudaremos a criar novas consciências. Como sempre nos lembra o poeta, “amanhã vai ser outro dia”. Voragem é coragem.
Texto: Eder Chiodetto